A recente aprovação do projeto de lei que acaba com saídas temporárias em feriados e datas comemorativas e torna obrigatório o exame criminológico para a progressão de regime pelo Congresso Nacional levanta mais uma questão em um sistema carcerário já superlotado: a falta de estrutura para viabilizar a nova regra. Em Minas Gerais, 180 psicólogos são responsáveis por atender os 60 mil detentos em 172 presídios de responsabilidade do governo do Estado, o equivalente a um profissional para 333 detentos. Os psicólogos são os que ajudam a avaliar, por exemplo, presença de distúrbios psíquicos ou transtornos mentais, personalidade, graus de violência e periculosidade do detento. As informações são parte relevante do exame exigido para tirar o preso do regime fechado para o semiaberto, além de outras mudanças na vida das pessoas em privação de liberdade.

O exame criminológico é realizado por profissionais do sistema prisional, entre eles psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. Ele é feito atualmente em duas situações:  quando exigido pelo juiz ou no ingresso de detentos no regime fechado para individualização da execução penal. Porém, nas regras atuais, o estudo não é obrigatório para progressão de regime, em função de alteração na lei válida a partir de 2003. Atualmente, um atestado de bom comportamento carcerário comprovado pelo diretor do presídio é suficiente para colocar detentos em liberdade. Agora, caso a nova lei seja sancionada, o levantamento volta a ser obrigatório para mudanças no regime de pena, assim como algumas saídas temporárias banidas. Debate antigo, a discussão no Congresso sobre restrições às saídas temporárias ganhou força após o policial militar Roger Dias ser morto por um preso beneficiado pela saidinha em Belo Horizonte, em janeiro deste ano.

O governo de Minas se negou a informar a quantidade de psiquiatras e assistentes sociais presentes no sistema. Porém, a quantidade de psicólogos informada já mostra uma parte do déficit de profissionais ligados a esse mapeamento das condições psicossociais dos detentos. Na avaliação do Sindicato dos Psicólogos do Estado de Minas Gerais (Psind), com base no relato e nível de exaustão dos profissionais em atividade nos presídios do Estado, o número é insuficiente para atender a alta demanda. “Nós não temos uma legislação que diz sobre quantidade mínima de profissionais, essa é uma busca que o sindicato está atuando há um bom tempo. Hoje entendemos que o quantitativo de profissionais inseridos no sistema prisional de Minas Gerais é insuficiente. Nós temos recebido muitas queixas dos nossos profissionais sobre uma sobrecarga, assim como relatos sobre problemas de saúde mental”, afirma a presidente do Psind, Jennifer Danielle Souza Santos.

O resultado atualmente é a quase inexistência do exame criminológico, que seria, na visão de especialistas, um balizador de segurança no processo de saída dos detentos. “Eu nunca recebi um exame criminológico. Todas as vezes que eu mandei o ofício eu nunca recebi o retorno”. A fala é do juiz Thiago Grazziane Gandra, da 3ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte. Segundo o magistrado, durante sua atuação como titular da Vara de Execuções Penais de Ipatinga, no Vale do Aço, ele chegou a solicitar o exame ao Estado por diversas vezes, mas nunca obteve retorno. “Eu fiquei quase cinco anos na execução penal de Ipatinga. Em todas as minhas progressões de regime, nos crimes graves, eu determinava ao Estado a realização do exame criminológico e dava um prazo de 30 dias. Mas com o aviso de que se não fizesse, eu teria que progredir de regime. Então o que os juízes normalmente fazem é oportunizar a realização do exame pelo Estado, nos casos que o preso exige essa atenção. Se ele entregar esse exame, ótimo. Mas eu nunca recebi”, afirma.

Situação parecida ocorre quando o exame precisa ser feito no âmbito da execução penal, conforme o Conselho Regional de Psicologia de Minas (CRP-MG). “O exame não é realizado para todo mundo. O acompanhamento psicológico muito menos. É humanamente impossível conseguir prover a população penitenciária com o número de profissionais que temos. A conta não fecha não. Através da comissão a gente tem tentado aproximar do Depen, mas a questão hierárquica não facilita o acesso”, revela a conselheira referência da  Comissão de Orientação em Psicologia e Relações com a Justiça do CRP-MG, Cristiane Nogueira.
FONTE: O TEMPO