Pesquisa inédita realizada com 400 profissionais na região metropolitana de Belo Horizonte aponta que o período médio de trabalho é 16% maior do que a carga horária prevista pela CLT

Jornadas diárias de trabalho que chegam a ultrapassar 16 horas. Junto com o trânsito e conflitos com passageiros, estes são apenas alguns dos problemas enfrentados por motoristas e entregadores de aplicativos como Uber, 99, iFood e Zé Delivery entrevistados por O TEMPO. Uma pesquisa conduzida pelo Observatório das Plataformas Digitais da UFMG, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), revelou que, na região metropolitana de Belo Horizonte, o tempo dedicado, em média, aos apps pelos motoristas é de 51 horas semanais, 16% a mais do que a carga horária máxima de 44 horas prevista na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

 

Os dados completos ainda serão divulgados até o fim deste mês, mas foram antecipados à reportagem. Segundo o grupo, foram analisados somente profissionais que atuam com o transporte de passageiros. É o caso de motoristas como Leonardo Souza, 55, que dirige pelas ruas da capital mineira e região há quase cinco anos pelas plataformas. Todos os dias, inclusive nos finais de semana, ele costuma rodar de dez a 12 horas ininterruptas. Mesmo assim, não trocaria o trabalho por outro de carteira assinada. “Os salários (desses empregos) são muito baixos, penso em talvez fazer um concurso público”, afirma.

 

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Na avaliação de Souza, além da constante preocupação com acidentes e assaltos, um dos principais desafios são os baixos valores pagos pelas empresas por cada quilômetro rodado. Com isso, para manter um bom rendimento, a dedicação tem que ser ainda maior. “São verdadeiras esmolas, e tem muito motorista hoje em dia que não consegue dinheiro nem para a manutenção do carro. Além disso, tem o combustível, seguro e IPVA”, cita.

Impulsionadas pelo desemprego

 

Em 2017, um dos piores anos da crise econômica brasileira, Pedro Henrique, 32, perdeu o emprego e, como alternativa, restou o cadastro nas plataformas para transportar passageiros. “Eu trabalho de seis a oito horas por dia, e a remuneração piorou bastante por causa do aumento dos nossos custos, que foi muito grande nos últimos anos. Também enfrento dificuldades para comer ou ir ao banheiro. Não tem um local específico, damos o nosso jeito”, disse.

 

Edmarcio Lopes, 43, também começou a rodar nos aplicativos após ficar desempregado, há seis anos. Atualmente, conseguiu emprego de carteira assinada em uma funerária e, como trabalha em escala de plantões, continua como motorista.

 

Nos finais de semana, chega a dirigir por até 16 horas. “Antes da pandemia, eu só rodava à noite, mas parei por causa dos assaltos. Às vezes, você é chamado para uma corrida, e, quando chega, não é a mesma pessoa, o que nos deixa em risco. E ainda tem o tempo de espera de cinco minutos para a pessoa entrar no veículo”, pontua.

Menos de 5% dos motoristas são mulheres

 

Atrás dos volantes dos veículos de aplicativos de mobilidade, menos de 5% são mulheres. O estudo realizado pelo Observatório das Plataformas Digitais da UFMG, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), aponta que 97,3% são homens. A pesquisa, feita com 400 motoristas da Uber, 99 e InDrive em Belo Horizonte, Betim, Contagem, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves e Vespasiano, também revela que 64,4% são negros e 73,1% têm idade entre 30 e 59 anos.

 

Amanda Lemos, 43, chegou a trabalhar no ramo, mas as condições precárias fizeram a motofretista abandonar os aplicativos de delivery em 2018, quando, juntamente com outros profissionais, fundou uma cooperativa de entregas.

 

“As plataformas hoje exploram, não dão nenhum suporte. Se há algum problema, você é bloqueado, sem perguntar nada. E também trabalham com uma mão de obra que não pede nenhuma qualificação, é só você ter uma moto, uma CNH, e pode se cadastrar”, explica.

 

Já a lei do motofretista exige mais rigor. “Para ter um certificado na BHTrans, você não pode ter nem uma pensão atrasada”, conta. Mesmo assim, o maior desafio de Amanda é o preconceito. “As pessoas acham que todos que estão em cima de uma moto são bandidos”, lamenta.

Fonte: O Tempo